segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Sobre a bomba relógio que é viver

Acordei cedo por causa da ressaca do dia anterior, da dor de barriga na madrugada, da solidão.
Liguei a cafeteira e recebi um beijo materno daqueles calorosos de quando tinha apenas oito anos; fiz uma viagem pra um tempo feliz sentado no vaso; lembrei de quando tinha uns sete, era comum os meninos até essa idade andarem pela casa somente de cueca, se chegasse visita não tinha importância, nessa idade não existe conotação sexual, o que existe é a comodidade de um menino que se conforta no sofá e mergulha a cara numa televisão de tubo assistindo desenhos animados. As perguntas recorrentes, "E ai, passou de ano?", "Você está em que série mesmo?", "Já está de férias?", e as respostas sempre eram as mesmas,"Passei direto", "Sou o aluno número um da turma", isso de fato era verdade, meu nome vinha antes do de todos na caderneta.
Dei descarga e ao levantar o rosto pra fazer a barba percebi que eu tenho uma cicatriz embaixo do queixo, essa é quase uma marca registrada dos meninos hiperativos de minha época.
Passei o barbeador amarelinho no rosto com mais força que o normal e me cortei, veio logo a lembrança de querer imitar o meu pai fazendo a barba sozinho no banheiro com uns cinco ou seis anos de idade, minha mãe enlouqueceu, "Meu filho quer ser homenzinho, tá querendo me deixar mais velha", "Filho, cada coisa em seu tempo", "Menino, que sangue é esse?!". E deixei escorrer o sangue que era, naquela hora, a única certeza de que ainda estou vivo, sentado, confortado e de cueca, mergulhado no final de mais um livro. Obrigado Rubem Braga.

Álisson Bonsuet.

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